quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Nível do mar sobe 2,5 vezes mais rapidamente do que no século 20, diz relatório da ONU

Embarcação navega entre pedaços de degelo no mar do ártico — Foto: Christian Aslund/Greenpeace/Divulgação

Novo relatório de 900 páginas do IPCC revela uma situação preocupante para o planeta terra. O estudo compila as descobertas de milhares de estudos científicos e descreve os danos que as alterações climáticas já causaram aos vastos oceanos do planeta e às frágeis camadas de gelo, prevendo um futuro trágico para essas partes cruciais do sistema climático.

O novo relatório do Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas (IPCC) vem divulgar fortes alertas sobre o estado atual e futuro dos oceanos e da criosfera – o gelo que cobre o planeta Terra. Mais inundações costeiras, mais tempestades tropicais, menos biodiversidade, menos glaciares, milhões de pessoas que vivem em regiões costeiras em risco são os traços gerais do primeiro relatório dedicado unicamente aos oceanos e às partes geladas.
O documento, divulgado esta quarta-feira (25/09/2019), vem com o objetivo de expor os problemas, as soluções e apresentar várias propostas para formuladores de políticas em todo o mundo de modo a criar resiliência, ajudar na adaptação às alterações climáticas (que já não podem mais ser evitadas) e trazer benefícios para o desenvolvimento sustentável.
O Relatório Especial sobre Oceano e Criosfera num Clima em Mudança foi apresentado esta manhã, no Museu Oceanográfico do Mónaco e vem apresentar as consequências que já podem ser observadas, projecções e, por último, soluções para evitar os cenários negros que se anunciam (se nada for feito). O  diagnóstico feito à “saúde” dos oceanos, por mais de 100 cientistas de todo o mundo, não é animador.
Ao longo deste século, presume-se que os oceanos enfrentarão “condições sem precedentes”: continuará a haver um aumento de temperatura das águas, ainda mais acidificação, perda de oxigénio, mais ondas de calor marinhas e os fenómenos atmosféricos El Niño e La Niña tornar-se-ão mais frequentes (duas vezes mais do que o normal, tanto no melhor como no pior cenário possível).
No fundo, o documento sublinha que os impactos das alterações climáticas já são facilmente visíveis. Desde o topo da montanha mais alta até o fundo do oceano – e tangíveis para todos os seres humanos no planeta.
Desaparecimento dos glaciares
Até 2100, “prevê-se que desapareçam muitos glaciares independentemente das emissões [de dióxido de carbono] futuras” e que os danos provocados por inundações em zonas costeiras devam aumentar de magnitude (duas a três vezes mais grave do que são hoje). Cerca de 680 milhões de pessoas vivem em zonas costeiras baixas, e estima-se que esse número possa ascender para mil milhões em 2050. Na região do Árctico, são cerca de quatro milhões de pessoas, sendo que 10% delas são povos indígenas. Juntam-se ainda os 670 milhões que vivem em zonas montanhosas altas. Todas elas ficarão em risco. “Muitas nações terão de enfrentar desafios de adaptação”, afiança-se no relatório. Há ainda risco de “impacto severo na biodiversidade” nos ecossistemas costeiros, riscos para a saúde humana e animal.
Subida do nível do mar
Os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra e contêm cerca de 97% da água no planeta. O IPCC aponta uma subida “sem precedentes” do nível médio global dos oceanos no período de 2006 a 2015 em relação ao último século, a um ritmo de 3,6 milímetros por ano, atribuindo-a principalmente às massas de gelo e glaciares que derreteram.  Na Antárctida, a perda de gelo foi três vezes maior entre 2007 e 2016 do que tinha sido entre 1997 e 2006; na Gronelândia foi duas vezes maior. Esta aceleração na Antárctida pode “potencialmente levar a um aumento do nível das águas do mar de vários metros em poucos séculos”.
A projeção dos cientistas é que a subida do nível dos oceanos atinja 15 milímetros por ano em 2100 e “vários centímetros por ano no século XXII”.
Absorção de dióxido de carbono 
Os cientistas do painel constataram que o oceano global tem vindo a aumentar de temperatura desde 1970, absorvendo “mais de 90% do calor em excesso no sistema climático”, com ondas de calor marinho duas vezes mais frequentes desde 1982.
“Ao absorver mais dióxido de carbono, o oceano sofreu um aumento da acidez à superfície”, apontam os cientistas, considerando muito provável que 20% a 30% do dióxido de carbono (CO2) emitido pela atividade humana desde 1980 foi parar ao oceano e provocou uma perda de oxigênio desde a superfície marinha até aos mil metros de profundidade.
Nos últimos 100 anos, “perto de 50% das zonas húmidas costeiras perderam-se em resultado da pressão humana, subida do nível do mar, aquecimento e eventos climáticos extremos”, perdendo-se “ecossistemas vegetais costeiros que protegem o litoral de tempestades e da erosão” e que absorviam dióxido de carbono, refere também o documento.
Perda de biodiversidade
O relatório refere que os corais de águas quentes já se encontram em elevado risco devido às “temperaturas extremas e à acidificação do oceano”.
Desde 1997 que as ondas de calor marinhas os fizeram perder a cor, degradando estes recursos importantes para a biodiversidade, para a protecção do litoral e também para o turismo. Os corais são de “recuperação lenta” e estima-se que fiquem ainda mais ameaçados, mesmo que se consiga reduzir as emissões e limitar a subida da temperatura global a 1,5ºC.
IPCC acusa Governos de inação e lista medidas de prevenção
O relatório do IPCC aponta o dedo aos governos, dizendo que o impacto das alterações climáticas no oceano e na criosfera tem uma escala temporal bem maior do que a duração dos governos e da sua capacidade de organizar medidas de prevenção e contenção, tornando difícil “que as sociedades se preparem adequadamente e respondam a estas mudanças a longo-prazo”.
Os cientistas consideram importante estar-se ciente do que nos espera e tomar medidas, mesmo havendo casos em que a redução de emissões de dióxido de carbono e o cumprimento do Acordo de Paris não devolvam a saúde aos ecossistemas. As medidas de mitigação dos efeitos descritos “ambiciosas e adaptação eficaz” são a única maneira de contrariar “os custos e riscos crescentes” de continuar a adiar ações concretas para limitar o aquecimento global, afirma o painel.
Entre as medidas apontadas como positivas, o IPCC refere a recuperação de ecossistemas vegetais costeiros, que poderão absorver cerca de “0,5% das emissões anuais atuais” e emitir menos dióxido de carbono, proteger o litoral de tempestades, aumentar a qualidade da água e trazer benefício à biodiversidade.
Outra das medidas sugeridas, para além da utilização de energia renovável produzida a partir dos oceanos, é o desenvolvimento e aplicação de sistemas de alerta em caso de cheias, assim como equipamentos à prova de inundação em edifícios localizados em zonas litorais. [Fonte: Jornal Econômico]

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

ONU: os oceanos estão a um passo de virar um pesadelo para a Humanidade

Iceberg em 29 de junho de 2019 em Terre-Neuve

Os oceanos, fontes de vida na Terra, podem se tornar nossos piores inimigos em escala global se nada for feito para travar as emissões de gases de efeito estufa, de acordo com o rascunho de um relatório obtido com exclusividade pela AFP.
Os estoques de peixes podem diminuir, os danos causados pelos furacões podem aumentar e 280 milhões de pessoas seriam deslocadas pelo aumento do nível do mar, de acordo com o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), sobre os oceanos e a criosfera (manto e calotas de gelo, geleiras, permafrost), que será oficialmente apresentado em 25 de setembro em Mônaco.
Este documento de 900 páginas é o quarto relatório especial da ONU publicado em menos de um ano.
Os precedentes, igualmente alarmantes, diziam respeito ao objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C sobre a biodiversidade e a gestão das terras e ao sistema alimentar global.
De acordo com este quarto documento, que compila os dados científicos existentes e é visto como uma referência, o aumento do nível do mar pode, eventualmente, deslocar 280 milhões de pessoas em todo o mundo.
E isso na hipótese otimista em que o aquecimento global será limitado a 2°C em comparação com a era pré-industrial.
Com o aumento esperado na frequência de ciclones, muitas megacidades próximas à costa, mas também pequenas nações insulares seriam inundadas todos os anos a partir de 2050, mesmo em cenários otimistas.
"Quando você observa a instabilidade política desencadeada pelas migrações em pequena escala, tremo em pensar em um mundo onde dezenas de milhões de pessoas deixarão suas terras engolidas pelo oceano", afirma Ben Strauss, presidente e diretor do Climate Central, um instituto de pesquisa com sede nos Estados Unidos.
O relatório também prevê que de 30% a 99% do permafrost, a camada de solo congelada teoricamente durante todo o ano, derreterá até 2100, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem na taxa atual.
O permafrost no hemisfério norte liberará, sob efeito do degelo, uma "bomba de carbono" feita de dióxido de carbono (CO2) e de metano (CH4), acelerando o aquecimento.
Os fenômenos, já em andamento, também podem levar a um declínio constante nos estoques de peixes, dos quais muitas pessoas dependem para sua alimentação.
Os danos causados pelas inundações podem ser multiplicados por 100, ou até 1.000, até 2100.
O derretimento das geleiras causado pelo aquecimento climático dará muita água doce, depois muito poca, a bilhões de pessoas que dependem dela, também aponta um "resumo provisório para os "tomadores de decisões" a ser discutido linha a linha pelos representantes dos países membros do IPCC, reunidos em Mônaco a partir de 20 de setembro.
- Principais emissores pouco comprometidos -
Segundo o relatório, o aumento do nível do mar no século 22 "pode exceder vários centímetros por ano", cerca de cem vezes mais do que hoje.
Se o aumento de temperatura for de 2°C em 2100, será o começo de uma "corrida" na ascensão do mar, alerta Ben Strauss.
A divulgação do relatório ocorrerá após uma cúpula climática mundial convocada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em Nova York em 23 de setembro.
Ele deseja obter compromissos mais fortes dos países para reduzir suas emissões de CO2, enquanto, no ritmo atual, levariam a um aquecimento global de 2 a 3°C até o final do século.
Especialistas temem que China, Estados Unidos, União Europeia e Índia - os quatro principais emissores de gases de efeito estufa - apresentem promessas que não estão à altura dos desafios.
Nos Etados Unidos, por exemplo, diz Michael Mann, diretor do Earth System Science Center da Universidade da Pensilvânia, "os otimistas tecnológicos ainda acreditam que podemos encontrar maneiras de resolver esse problema", mesmo que "o país não esteja pronto para enfrentar um aumento de um metro do nível do mar até 2100" em algumas cidades como Nova York e Miami.
Das quatro principais regiões econômicas responsáveis por quase 60% das emissões de combustíveis fósseis, nenhuma parece pronta para anunciar metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de suas economias.
Donald Trump rejeita a política climática de seu antecessor Barack Obama e deseja que os Estados Unidos abandonem o Acordo de Paris de 2015. Um Acordo que visa manter o aumento médio da temperatura abaixo de 2°C em comparação aos níveis pré-industriais e, tanto quanto possível, a 1,5°C.
A Índia, por sua vez, está desenvolvendo rapidamente a energia solar, mas continua aumentando suas capacidades de carvão.
A União Europeia está caminhando para uma "meta de neutralidade" de carbono a ser alcançada até 2050, mas vários Estados-Membros relutam em se comprometer.
A China, que emite quase tanto CO2 quanto os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia juntos, enviam sinais contraditórios.
"A atenção de Pequim está gradualmente se afastando das questões ambientais e das mudanças climáticas", declara Li Shuo, analista do Greenpeace International. Ele explica isso pela preocupação com a desaceleração da economia chinesa e a guerra comercial com os Estados Unidos.
Xangai, Ningbo, Taizhou e meia dúzia das principais cidades costeiras chinesas são altamente vulneráveis à futura elevação do nível do mar, que deverá subir um metro em relação ao nível global do final do século XX em caso de manutenção das emissões de CO2. [Fonte: Yahoo]